terça-feira, 14 de agosto de 2012

Butler e/ou Austin

Speak, por GrottoBombr.

Performativo, ato de fala, infelicidade... seria de se esperar que um texto recheado por tais termos trouxesse, em algum momento, uma assinatura familiar, à qual a paternidade destes “conceitos” é freqüentemente atribuída: John Langshaw Austin. É esta assinatura que elude o leitor em vários momentos de The psychic life of power, de Judith Butler, já mencionada outrora aqui no N&D.


Tomando este mistério como causa de desejo, me dediquei brevemente a investiga-lo, sendo prontamente presenteado com uma incidência redescoberta agora como co-incidência: Judith Butler assina também o posfácio a The scandal of the speaking body, de Shoshana Felman, livro dedicado a um fértil (des)encontro da psicanálise com Don Juan e com Austin (1).

Aqui, como não poderia deixar de ser, Butler deixa marcas onde Austin figura explicitamente, e onde deixa-nos indicações preciosas do modo pelo qual toma suas idéias. É aqui também que me vi discordando de Butler em alguns pontos – poucos, talvez; essenciais, no entanto – nos quais esta se coloca inclusive em contraste com Felman, autora do livro que posfacia. 

coming up with a metaphysics for the speech act turns out to yield insuperable paradoxes (...) If, as Austin claims, every performative can be reduced to the referential capacity of a sovereign subject not only to make a promise, but to represent itself in the promise, then a constative condition is presumed, namely, that language can and does adequately represent intention (2) (Butler in Felman, 2003 [1980], p. 116-117).

O trecho acima foi o que mais me chamou a atenção no posfácio de Butler, não só pela semelhança entre sua conclusão e os argumentos de Derrida em crítica a Austin (3), mas também pela estranheza causada por suas premissas: um Austin que acredita num sujeito soberano e reduz a performatividade à vontade transparente deste “eu” é um Austin que não reconheço. Que dirá um que argumenta que o sujeito se representa em sua promessa. Além, é claro, de uma “metafísica para o ato de fala” soar tão verossímil quanto, digamos, um círculo quadrado.

Butler parece aqui se apoiar em uma leitura de Austin, eu diria, tímida demais diante da originalidade de sua proposta. Outras são possíveis, por certo. Em que divergem? Vejamos, a seguir.

Notas:


(1) O livro, originalmente em francês, foi lançado em 1980. A tradução para o inglês foi feita em 1983. No entanto, algumas partes, entre elas o posfácio de Butler, foram escritas especialmente para a edição de 2003. 

(2) "propôr uma metafísica para o ato de fala acaba produzindo paradoxos insuperáveis. (...) Se, como Austin alega, todo performativo pode ser reduzido à capacidade referencial de um sujeito soberano não apenas de fazer uma promessa, mas de representar a si próprio na promessa, então presume-se uma condição constativa, a saber, que a linguagem pode representar adequadamente a intenção, e o faz".

(3) “Austin não tomou em conta o que, na estrutura da locução (portanto antes de qualquer determinação ilocutória ou perlocutória), comporta já este sistema de predicados que chamo grafemáticos em geral” (Derrida, 1991 [1971], p. 364).

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