segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Freud implica (6)

"as fantasias são produtos de períodos posteriores e são projetadas para o passado, desde o que era então o presente até épocas mais remotas da infância (...). À pergunta: “O que aconteceu nos primórdios da infância?”, a resposta é “nada”." (Freud, 1996 [1899], p. 327).

Este é de uma das cartas que Freud escreveu a seu correspondente Wilhelm Fliess (carta 101, de 1899).

Bem no início de seu percurso teórico, Freud acreditava que as neuroses eram causadas por traumas sexuais na infância. Aqueles que apresentavam sintomas na adultez teriam invariavelmente sofrido algum tipo de assédio sexual quando crianças. É uma idéia que, hoje, alguns ainda defendem.

Mas já antes da virada para o Século XX, o vienense mudou de idéia, por uma série de motivos, um dos quais o reconhecimento de traços neuróticos em si próprio, aliado à decepcionante constatação de que nada de muito dramático havia ocorrido em sua vida sexual infantil.

Esta citação retrata a reorientação de seu estudo, do trauma para a fantasia. Ela se situa entre dois grandes marcos: foi escrita depois deste abandono de sua teoria da sedução e, mais importante, logo antes (ou durante, aliás) a redação de "A interpretação dos sonhos", livro considerado por muitos, eu incluso, como o marco teórico inaugural da Psicanálise. Foi quando deixou de se preocupar com causas factuais para os distúrbios psíquicos -- ou seja, quando se permitiu algum afastamento da causalidade científica e sua doutrina da verificabilidade -- que Freud pôde mergulhar de fato na lógica própria ao psiquismo, que é fantasística e inconsciente.

Numa situação analítica, pois, desde o Século XIX -- faz tempo! --, o que está em jogo não é o passado, ao contrário daquilo em que ainda insistem os livros didáticos, mas sim as fantasias atuais sobre o passado, que -- e só por isso são nosso foco -- produzem efeitos no presente, a todo momento.

Isto, enfim, define o que entendo como Psicanálise, este recorte -- solipsista, alguns diriam -- que orientou de cabo a rabo a obra de autores como, por exemplo, Melanie Klein. Está muito mais próximo, a meu ver, da análise literária do que das atividades "paramédicas" ou "psicoadministrativas" às quais nós, psicólogos, somos convocados atualmente.